ANTOLOGIA GRÊMIO CAMINHO DAS ÁGUAS - Org. Benedita Azevedo - Costelas Felinas Editora

 

Esta é mais uma antologia anual do Grêmio Haicai Sabiá – Encontros Virtuais – a sua 7ª edição.

O leitor iniciará a leitura, certamente agradável, da produção dos haicaístas (haijin, em japonês, como muitos de nós carinhosamente nos tratamos) do grêmio, poetas dedicados a escrever esses singelos tercetos em aproximadamente 17 sílabas métricas, divididos em versos de 5 /7 /5 sílabas, respectivamente.

Antes, porém, vamos discorrer um pouco sobre esse ofício ao qual os grêmios de haicai se dedicam e, em especial o nosso, o Sabiá.

Os imigrantes japoneses que aqui chegaram no início do século passado, trouxeram o hábito de se formar grupos para estudo, escrita e discussão de haicai (haiku, em japonês). Em comum com o modelo nipônico, os grupos aqui formados – ou grêmios – são liderados por um coordenador que propõe, a cada reunião, temas para seus membros redigirem haicais, com base no kigo, ou termo de estação, que são vocábulos ou expressões representativas de cada estação do ano. Assim, por exemplo, se o coordenador propõe o kigo “cigarra”, os membros da agremiação deverão escrever haicais baseados nesse inseto cujo canto está ligado ao calor dos dias quentes de verão, descrevendo cenas que se desenvolvam nos dias de dezembro a fevereiro.

Mas, se o haicai é a poesia do instante, o retrato fiel de uma ocorrência aqui e agora, não seria inapropriado se produzir algo hipotético, que não ocorra de fato?

Sem dúvida que o haicai é a captura e eternização do instante, sim. Entretanto, o objetivo ou ofício de um grêmio de haicai é de outra ordem: visa treinar o haijin nessa expressão literária e o aprimoramento de sua técnica compositiva, mediante a prática baseada nos cânones dessa forma poética, ou seja: o kigo como centro de um poema objetivo, não subjetivo, e a obediência à estrutura de 17 sílabas anteriormente mencionada.

Ante o tema exposto, o haicaísta poderá aproveitar um haicai já escrito ou, com base em uma experiência vivida de fato, compor um haicai inédito. Em ambas as situações, ele vivenciará o haicai, o “dô”, ou caminho do haicai, se aperfeiçoando na arte e treinando sua sensibilidade para compor haicais no dia a dia. Tal resultado se consegue mediante o compartilhamento de seus poemas com outros poetas, dos quais obterá retorno sobre a qualidade do que foi escrito ou sugestões para um resultado final melhor. Em uma palavra, o grêmio é uma escola para a prática do haicai e seu ofício é ensinar.

Mas, e no meio virtual, feito de bits e bytes e separação física, esse tipo de reunião é possível?

O Grêmio Haicai Sabiá – Encontros Virtuais é a prova viva que sim, fundado em 2006, desde 25 de julho de 2014 se dedica a essa tarefa, mantendo o caráter de composição coletiva.

Adaptando à virtualidade os procedimentos de uma reunião presencial, mas mantendo o foco na troca de experiências, o espírito diligente de sua coordenadora, Benedita Silva de Azevedo, moldou uma maneira eficiente de trabalho, mediante a disponibilização de três kigo mensais para que os membros do grêmio componham seus haicais, posteriormente colecionados  em uma  publicação virtual no espaço do grêmio no Facebook e, anualmente, reunidos em uma publicação impressa, caso desta antologia.

Se compor um haicai para nós mesmos já é um prazer indescritível, o que dizer de compartilhar o escrito com artífices do mesmo ofício e, posteriormente, com amigos, pessoas queridas e público em geral? Não tem preço!

Sobre essa paixão pelo compartilhamento, Matsuo Bashô, o mais conhecido nome do haiku japonês, já alertava que convém que o haicai deve ser revelado e construído não só pelo autor:

Dois viajantes sem abrigo nos céus e na terra.

em Yoshino

mostrar-te-ei as cerejeiras em flor —

a caminho!

 Por ser uma arte objetiva, voltada para a sucessão das estações à renovação das coisas da natureza e do homem, o haicai sobre a cerejeira em flor do mestre será a própria cerejeira em si – não há diferença entre ambos! – e ele o repassará ao seu acompanhante que, caso não existisse, não haveria o próprio haicai: a cerejeira/haicai não seria revelada.

Por fim, todo esse aprendizado em grupo só é possível pelo esforço, paciência e inspiração de Mestra Benedita Azevedo e o carinho e apoio dos membros dessa agremiação que, surgida na cidade do Rio de Janeiro, hoje tem membros em todo o Brasil e no exterior.


Carlos Martins

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog